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24 setembro 2008

Videogames e brinquedos antigos invadem as pistas de dança

Já foi o tempo em que games eram usados apenas para salvar o mundo ou afogar pessoas (só eu fazia isso no "The Sims"?). Hoje em dia já tem gente dançando ao tom de músicas criadas a partir de videogames e brinquedos antigos nas principais baladas eletrônicas do mundo.

No Brasil o principal agente dessa nova tendência é o ex-arquiteto-cenógrafo-artista plástico Saulo Pais, também conhecido como Dada Attack, que recentemente resolveu abandonar tudo isso para se dedicar à desconstrução sonora desses estandartes da nossa infância. O Arena Turbo conversou com ele para tentar entender melhor esse movimento – e aprender a não levar choque no processo.

Console Atari


Playground musical

O atelier/residência de Saulo (estrategicamente localizado ao lado de uma loja de doces, no Tatuapé, em São Paulo) lembra uma fantástica fábrica de brinquedos, e deixaria muita criança e aspirante a DJ com inveja. Misto entre oficina e estúdio, suas prateleiras estão recheadas de brinquedos, videogames, baterias eletrônicas, teclados de todos os tamanhos e formatos, além de instrumentos de percussão bizarros – como um chocalho de unhas de bode. Um pequeno robô remanescente de sua infância – “ainda não tive coragem de abrir esse”, desabafa – figura ao lado de um microfone de mesa verde-militar dos anos 50, apenas algumas de suas diversas matérias-primas sonoras.

Saulo utiliza essa infinidade de quinquilharias eletrônicas, adquiridas, em sua maioria, em bazares beneficentes, para produzir timbres únicos a serem utilizados em suas músicas. “Às vezes consigo tirar de um rádio antigo um chiado esquisito que dá pra aproveitar, jogo no computador, modelo e transformo em algo novo”, afirma.

Bem no centro da mesa circular, o que mais chama a atenção é uma bateria eletrônica colorida, que pelas mãos de Saulo ganhou uma forma parecida à de um porco espinho musical, com dezenas de switches conectados no topo – “são tantas variáveis que admito memorizar apenas algumas delas”.

Estacionado ao lado dela, um Atari importado figura timidamente. Minha primeira reação é estranhar um potenciômetro e alguns plugues sobressalentes na traseira do videogame, mas sua funcionalidade logo é explicada: a distorção dos sons produzidos pelo aparelho. Rapidamente, Saulo saca de uma gaveta um cartucho especial para tocar músicas no console e dois controles; começa assim uma orgia musical de timbres baseados em bits.


Dada na "mesa de operações"

O que se segue é em uma viagem nostálgica pelas lembranças de muitas horas perdidas – ou ganhas – nesse que foi o primeiro videogame de tantos. Mascarado como música eletrônica, torna-se claro seu potencial de remeter às horas passadas jogando games clássicos durante a infância. Comento sentir uma mistura entre nostalgia e conforto, e Saulo completa dizendo que “é um som que bate na alma mesmo”.

Sendo ele próprio antigo proprietário de um Atari e um Mega Drive – seu principal objetivo para chegar ao final de um jogo era ouvir a trilha de encerramento – o produtor musical afirma que é comum notar esse afloramento da infância pessoal de cada um nas pistas. “Uma vez estava tocando um Atari no D-Edge e apareceu um cara surtando e pedindo pra colocar Enduro ou Pitfall’; foi muito engraçado”.

Godzilla distorcido

Desde criança, Saulo já gostava de abrir os brinquedos pra ver como eram por dentro. “Não sabia o que era aquele monte de coisinhas de metal naquelas placas cheias de chips; achava que era tipo uma cidadezinha.” Fazendo às vezes de um Godzilla curioso, ele começou a cutucar os prédios dessas cidades em miniatura e sem querer acabou descobrindo uma infinidade de sons bizarros. Foi paixão à primeira distorção: “Sempre sai algum som maluco sem querer, mas isso que é o mais legal do ‘circuit-bending’, uma prática completamente baseada no acaso”, defende.

Dada fazendo mágica


O termo ‘circuit-bending’ surgiu em meados da década de 60, criado pelo sujeito que viria a se tornar o papa do movimento, Reed Ghazala. Em uma época na qual o acesso à música eletrônica era altamente limitado – sintetizadores eram gigantescos e chegavam a ocupar salas inteiras – o hippie assumido Ghazala confeccionou seu próprio sintetizador caseiro no melhor estilo McGayver. “Ele abriu um rádio a pilha e foi cutucando, até descobrir que nesse ponto dava uma interferência ‘xiii’, em outro rolava um ‘xôôr’ mais grave”, explica Saulo. Resultado: um pequeno rádio a pilha, com circuitos soldados e pedaços de papel alumínio estrategicamente posicionados em aberturas no casco do aparelho, transformando-o em sintetizador capaz de gerar sons completamente caóticos e originais.

Mas essa torrente de barulhos descontrolados, frutos dos erros e deslizes sonoros produzidos pelo ‘circuit-bending’, não seria nada sem um mínimo de organização, e para isso nada melhor que o brinquedo de gente grande. “O principal brinquedo na verdade é o computador; dá pra controlar todos os outros por ele, quer ver?” A resposta afirmativa gera um certo brilho nos olhos de Saulo, que toca a conectar uma imensidão de brinquedos e parafernálias musicais umas nas outras. Antes que eu possa tirar a tampinha da máquina fotográfica, já estamos envoltos em um emaranhado selvagem de cabos e extensões. Então, a psique de Dada Attack assume o controle sobre a de Saulo para responder às minhas perguntas com música ao invés de palavras.

favorito dos benders brasucas


Pesadelo dos brinquedos

De volta ao corpo que provavelmente lhe pertence, o músico tenta responder que tipo de brinquedo pode render sons interessantes. Enquanto admite que praticamente qualquer brinquedo pode produzir bons resultados quando um curto-circuito é estimulado, ele recomenda com veemência fugir dos de origem chinesa, “principalmente aqueles de fazendinha”. Eles custam cerca de R$ 2,00 em bazares de itens usados, e é sempre divertido transformar um “cocó” em “cuocuuooóóuuoouumm”, mas o problema é sua durabilidade. “Eles não duram quase nada. Cheguei a montar seis dessas fazendas para usar em apresentações e elas sempre começavam a falhar em no máximo uma semana. Daí é mais fácil comprar outro do que procurar o problema.”

Brinquedos inutilizados fazem parte da rotina de Dada, que poderia muito bem inspirar o próximo vilão de uma continuação de “Toy Story”. “Às vezes vou comprar esse brinquedos de sacola e penso que ao invés de uma criança poder brincar com ele eu na real vou destruí-lo... haha”, confessa com certo tom de sadismo em sua risada.

drum-machine tunada de Dada


Mas a curiosidade é a força motriz que rege o ‘circuit-bending’, e é preciso destruir para reconstruir. Quem aspira trilhar esse caminho não pode ter medo de, literalmente, colocar a mão nos chips e fuçar mesmo, sem medo de tomar choque. “Têm oficinas em que a gente pede para o pessoal levar brinquedos, mas a maioria fica com medo de abrir e acaba não dando em nada”. Tá, mas e os choques? “Haha...não rolam choques, porque uma das regras do ‘bending’ é não mexer em nada que é conectado diretamente na tomada”. Aprenderam crianças?

Busca pelo curto-circuito

O grande xodó da limitada cena brasileira – “pessoalmente conheço apenas outros três ‘benders’ brasileiros” – é o brinquedo de soletrar palavras Speak & Spell. Saulo adquiriu recentemente no eBay mais uma cópia usada do aparelho – “sou um verdadeiro rato de leilões” - e aproveitou para fazer uma demonstração ao vivo do processo de desconstrução. O primeiro passo, claro, é abri-lo com uma chave de fenda ou alicate. Depois, bisbilhotando com o dedo os chips da placa interna, enquanto aperta as teclas frontais, ele procura descobrir que tipo de distorção consegue em cada local que toca. “Isso que é bacana. É um tipo de som que dá pra torcer com a mão; é mais vivo porque você pode gravá-lo enquanto mexe nele. Tem vida própria.”

Com uma pinça tipo jacaré, o ponto de distorção encontrado é marcado. Um processo rápido de solda cria uma ligação com um potenciômetro – um plugue que controla a intensidade da potência, e quantifica a distorção do som – que será encaixado na parte externa do brinquedo, para facilitar o uso. Saulo afirma que quando começou não possuía qualquer conhecimento de eletrônica, e mesmo hoje ainda não sabe o que está aprontando. E esse é o grande barato: “É engraçado porque estamos fazendo tudo o que os caras que projetaram esses brinquedos não queriam: provocar curtos-circuitos para gerar resultados caóticos”, diverte-se.

Alternativa à mesmice

Apesar da febre no mercado internacional em torno da prática – “já tem gente fazendo fortuna comprando brinquedos velhos em ‘garage sale’ e vendendo versões prontas pra tocar pela internet” –, o ramo ainda é aparentemente inexplorado no Brasil. Saulo ministra oficinas com frequência, focadas em introduzir os conceitos do ‘circuit bending’ e catequizar novos pregadores da destruição eletrônica e reconstrução sonora. Para o artista, um bom ponto de partida é o livro Circuit-Bending: Build Your Own Alien Instruments, do papa/hippie Reed Ghazala. Utilizar caixas de som baratas também é importante: “Compre as mais baratas possíveis, pois o risco de estourar elas testando novos sons é alto”, avisa Dada.

Dada tocando em um Atari

Em uma época onde metade da população aspira ser DJ, Saulo acredita no diferencial oferecido pelo circuit-bending: "Hoje você baixa programas de graça com qualquer som e emuladores e qualquer criança pode pegar. Chega um ponto no qual as músicas começam a soar todas iguais, sempre com base nos mesmos softwares e plugins. É nisso que está a força do bending. Trata-se de uma forma de fazer um som diferente; algo que não tem como emular...erros aleatórios."
Erros sim, mas que sob a mão de um músico inspirado, criativo e completamente maluco, podem empolgar - e muito - uma pista de dança, especialmente quando direcionados à alma de uma geração que cresceu cercada não só de videogames, mas de todo tipo de brinquedo eletrônico sonoro e bizarro.

Fonte:
http://arenaturbo.ig.com.br/materias/499001-499500/499104/499104_1.html

Um comentário:

Anônimo disse...

Opa man!
Vlw, o seu tb já tá la
boa parceria and keep posting!
eauheauhea
;)